Após o fim da Skin N’ Bones Tour, em 17/07/1993, o Guns N’ Roses entrou em um dos períodos mais turbulentos de sua história, um hiato quase que involuntário. Haviam planos, ideias e músicas para um próximo CD, mas as diferenças criativas entre Axl Rose e o resto da banda cresciam a cada dia, sobretudo entre ele e o guitarrista Slash.
Enquanto Axl queria que o Guns N’ Roses se modernizasse, e trouxesse tanto influências do rock industrial quanto até do grunge, Slash queria que o próximo CD mantivesse o som tradicional do Guns N’ Roses.
Em Novembro de 1993, o vocalista concedeu essa entrevista, um tanto quanto rara, para a Editora Trama, que você pode conferir na integra abaixo:
APETITE PARA CONSTRUÇÃO
Vamos voltar para 1986 quando o Guns lançou o EP Live @*#Like a Suicide. Se você pudesse ter visto o futuro – seu mega estrelato e fama – você teria prosseguido com sua carreira?
Axl: Teria feito de qualquer forma. Teria sido legal saber um pouco sobre como é o sucesso. Se eu soubesse um pouco como é o sucesso eu poderia ter me preparado antes da hora. Uma vez Alice Cooper disse ‘Nada jamais poderia te preparar para a fama’. É verdade. Se houvesse algo que pudesse me explicar um pouco como tratar a fama, talvez não tivesse sido tão duro aguentar ela.
Quando você finalmente descobriu sobre o que é a fama?
Axl: Comecei a tratar ela com um pouco mais de naturalidade quando começamos nossa turnê com o Metallica (no verão de 1992). Essa foi a turnê que queríamos fazer desde o dia que decidimos nos chamar Guns N’ Roses. Dois dos caras não conseguiram chegar lá. (Edit : Tracii Guns e Ole Beich, guitarrista e baixista original da banda, respectivamente)
Era esse o sonho. É como trabalhar para entrar nas Olimpíadas e finalmente chegar nela.
Qual foi o ponto mais alto de sua carreira?
Axl: Não posso dizer que houve apenas um momento, foram muitos e eles foram se acumulando. Às vezes o que você pensa o que seria aquele momento não chega às expectativas. Quando fomos no Rose Bowl, aquele foi o show mais esperto de toda a turnê, mas não parece o ponto mais alto que nós alcançamos, isso porque havia muito mais para ser feito. Quando estávamos em Bogotá, Colômbia, começou a chover durante ”November Rain” e a plateia ficou completamente louca. Aquela cidade merecia isso mais do que qualquer outra cidade do mundo porque ”November Rain” passou 60 semanas no número 1 de lá. Foi muito gostoso cantar na chuva. Todos nós ficamos muito alegres com isso porque estávamos passando um puta tempo ruim em Bogotá. Há grandes hotéis e muita segurança armada lá.
A turnê de apoio do Use Your Illusion viajou da América do Sul até o leste da Europa e Israel. Você é reconhecido em todos os lugares que vai?
Axl: Minha vida era basicamente quartos de hoteis e aviões ou muita segurança, depende a complicação da cidade. No Chile haviam cerca de 500 pessoas na frente do hotel. Às vezes posso sair com apenas dois seguranças e passar um dia normal, fazer compras ou olhar a cidade. Em Bogotá era completamente louco, era preciso andar com dois micro ônibus de seguranças, foi um pesadelo. Mas eu fui para as lojas de antiguidades porque eu coleciono crucifixos. Foi divertido, pois a maior parte dos fãs eram menininhas que acabavam de voltar da escola e ainda estavam com seus uniformes. Tínhamos um grande número de seguranças mantendo o pessoal para trás, foi muito legal.
Há algum lugar que você possa parecer uma pessoa comum?
Axl: É raro. Eu vou para um lugar como Portofino, Itália, e a próxima coisa que você sabe é que você tem que parar de jantar porque há centenas de pessoas ao seu redor pedindo autógrafos. L.A. provavelmente é o lugar mais fácil para andar, o segundo deve ser Nova York. Em Nova York o pessoal diz ‘Oi Axl’. Mas as pessoas me reconhecem com o que quer que eu esteja usando, então nem me disfarço. Não funciona. Acham que é o nova roupa do Axl.
Você chega a ter chances de ver o que as outras bandas estão fazendo?
Axl: Não chego a sair pra ver muitas bandas, normalmente é muito louco. Gosto muito do U2, gosto dos seus shows e vou para todos que posso. Eu estava escutando Mr. Bungle, mesmo com o fato de eu e o Faith No More termos um relacionamento meio complicado. Tenho escutado muitas coisas bizarras, qualquer coisa, de Roger Waters a Jimmy Scott a Lyle Lovett a Nine Inch Nails, Alice in Chains – vario muito.
O que você sente sobre todas as outras bandas que estão indo em seu embalo, tocando punk meio blues e rebelde?
Axl: Preferimos inspirar pessoas a sermos limitados. Há alguns anos haviam muitas bandas parecidas com o GNR. Gostaria que o GNR inspirasse eles para que eles fossem poderosos no que fazem, isso é melhor do que eles tentarem ser como nós. Nunca tentamos ser com AC/DC ou Rolling Stones, mas elas nos inspiraram muito para que fizéssemos o material que fazemos hoje.
Você chegou a pensar duas vezes sobre sua decisão de lançar Use Your Ilusion I e …. II ao mesmo tempo?
Axl: Slash e eu estávamos falando sobre isso hoje de manhã. Sentimos muito orgulho de termos feito isso por nós mesmos. Planejamos isso mesmo antes de lançarmos nosso primeiro disco. Não achávamos que iriam ser tantas músicas, mas mesmo assim achamos que foi a melhor coisa que fizemos. Precisamos enterrar ‘Appetite for Destruction’ de alguma forma. Se não fizéssemos algo para cobrir o Appetite… De alguma forma ou de outra, íamos perder muito do nosso sucesso e do poder que temos para fazer o que queremos. Tiramos todo material do nosso sistema, e comercialmente já fez muito sucesso.
Agora que vocês cobriram o Appetite…. como será que vocês vão cobrir Use Your Ilusion?
Axl: Slash tem trabalhado em muitos riffs e eu estou tentando descobrir onde minha cabeça está. Gostaria que o próximo disco fosse a extremos maiores. Se eu estou expressando ódio, quero ir mais longe; se estou expressando alegria e diversão quero que isso vá um passo adiante. Não conseguimos nos juntar para colaborar em músicas. Já escrevi e gravei uma música que eu quero que esteja no próximo disco, o nome dela é ‘This is Love’. Não temos nem certeza de como vamos escrever o disco dessa vez. Na última vez, Slash escreveu todas suas músicas, eu escrevi as minhas e Izzy escreveu as dele, e nós juntamos elas todas. Bem, agora não há Izzy, e Slash não está escrevendo apenas suas músicas. Vai ser um sistema de colaboração, mas não sabemos se vamos estar escrevendo com o Gilby ou se vamos estar escrevendo com outra pessoa. Sabemos que queremos estar com o Gilby, mas não sabemos se queremos escrever com ele ainda. Mas temos bastante certeza de que vamos fazer o que queremos e vamos ficar felizes com isso.
O GNR ainda está evoluindo?
Axl: É uma coisa que evolui. Todas as pessoas tem direções e ideias diferentes sobre o que quer fazer. Eu queria que a banda ficasse grande o bastante para que todo mundo tivesse sua chance. Temos muitas pessoas novas na banda, mas o que realmente deixa Slash e eu preocupados é o que vai funcionar. Estamos dispostos a deixar o Matt ir onde ele quiser no departamento bateria, isso porque em UYI ele estava tocando exatamente o que a banda queria ouvir. No disco ele é um dos melhores bateristas que eu já ouvi, mas ele realmente é muito melhor do que isso. Quando Matt viaja em sua criatividade, é muito mais extremo do que qualquer coisa que estava em UYI. Quero facilitar o fato de Matt viajar e explorar o que ele quiser.
Você acha que ficou maior que a banda?
Axl: A verdade é que nada pode entrar entre Slash e eu. Enquanto ainda formos juntos, o Guns N’ Roses continuará. O tamanho ao qual eu chegar pode apenas ajudar a banda. Não me preocupo com isso e não me importo em ser puxado em outra direção, porque é aqui que eu estou preso. E eu preciso disso em minha vida.
Duff acaba de lançar um disco e o Gilby gravou um. E você?
Axl: Quero fazer algo particular. Não quero que seja obviamente eu, mas quero que seja algo na linha de ‘My World’ em UYI 2, quero fazer um projeto no qual qualquer pessoa que queira participar possa. Mas é basicamente eu e um engenheiro de computador juntando um monte de coisas, expressão pura. Você simplesmente entra e canta o que quer cantar. Acabamos ‘My World’ em apenas três horas. É algo que realmente preciso tirar de meu sistema, mas é algo que quero basear minha carreira e futuro. GNR é minha fundação.
Com que músicos gostaria de trabalhar?
Axl: Trent Reznor do Nine Inch Nails e Dave Navarro (ex-guitarrista do Jane’s Addiction e agora no Red Hot Chilli Peppers). Aquela são as duas pessoas com as quais eu realmente gostaria de trabalhar. Falei com o Trent sobre o negócio do sintetizador industrial, e com esperança futuramente trabalharemos em um projeto juntos. E com certeza quero trabalhar com o Dave. Eu sempre gostei da ideia de ver como Slash e ele soariam na mesma faixa.
Não haviam boatos de que Dave substituiria Izzy Stradlin em novembro de 1991?
Axl: Houve muita conversa sobre isso e nós estávamos muito abertos para isso. O problema é que não era a hora certa na vida de Dave. Ele precisava de algum tempo para resolver sua vida. Não sei o que vai fazer no futuro. Ainda é uma coisa que me anima muito. Ainda escuto o Jane’s Addiction muito e cada vez me surpreendo com o jeito em que ele parece ser moderno.
A música tem muita coisa complicada escondida nela.
Axl: Estou muito interessado no que o GNR tem a ver com este som futurista. Se fosse levada a sério e pacientemente, essa combinação poderia ser surpreendente. Seria uma coisa mais completa do que qualquer pessoa já ouviu. Quando Slash faz coisas solo e toca com outras pessoas, eu fico muito feliz porque é o que eu sempre quis que ele fizesse e fosse reconhecido como guitarrista. Também me sinto assim com Dave. É claro que tenho uma ligação muito mais forte com Slash tendo estado em contato com ele tanto tempo. Somos como a outra metade de cada um. O mundo até que sentiu falta de Dave, ele estava um pouco mais avançado do que a banda e eu realmente quero pessoas que vejam o que ele tem a oferecer.
Você tem sido considerado o orador de uma geração. É algo muito pesado para se carregar?
Axl: Acho que a meu material tem um lugar, mas não me coloco tão alto no totem. Eu estava lendo uma matéria sobre Roger Waters (ex-líder do Pink Floyd) onde ele se considerava um dos cinco melhores vocalistas da história. Ele não sabe quem mais está lá. John Lennon e talvez Freddie Mercury. Ele não sabe quem mais, mas sabe que ele é um dos cinco melhores. Eu não me coloco assim. Eu gostaria de crescer. Eu olho os discos do Roger Waters e os do U2 e vejo que eles são muito evoluídos em letras, o espírito saindo das letras. Isso me encoraja, e onde eu quero que minhas letras acabem. E espero que nossa plateia nos siga.
Você está feliz?
Axl: Yeah. Agora que a turnê acabou eu posso pensar mais uma vez e ver se eu cheguei ao meu alvo. Eu posso sentar e relaxar.
Copyright: Guns N’ Roses – Calendário 1994
Editora Trama
Novembro de 1993