O que leva uma banda de hard rock com menos de quatro anos de estrada a começar a lotar arenas e estádios, além de ter os seus discos alcançando os primeiros lugares nas paradas? A razão principal talvez seja que o seu som furioso e agressivo tenha alcançado plena recepção em meio à pasteurização reinante no mercado musical, inclusive conseguindo arrebanhar adeptos nas trincheiras do heavy metal. Mas existem alguns pontos a se analisar quando o grupo em questão é o GUNS N’ ROSES. O quinteto de bad boys egresso dos subterrâneos de Los Angeles, que, já em seu álbum de estréia Appetite for Destruction (1987), atingiu a consagração vendendo mais de seis milhões de cópias só nos EUA. A começar pela própria identificação entre os membros da banda (cujas idades variam entre 24 e 27 anos) e seu público, em sua maioria adolescente, que vê nas atitudes e na energia do som do grupo incontroláveis pontos em comum com seu próprio conceito de uma legítima banda de rock’n’roll.
A exemplo dos Stones, Who e Led Zeppelin em seus áureos tempos, o GN’R mantém uma tradição de concertos tumultuados e violentos, onde não raramente os eventos assumem proporções trágica. Aliadas a isso, temos também letras do grupo, repleta de referências explícitas a drogas.
Nada de estranho, no entanto , se retornarmos a história da formação do GN’R, ou ao menos a parte que seus membros ainda se recordam, entre as doses cavalares de drogas e bebidas consumidas por eles ao longo do tempo. Entre esses flashes, pode-se vislumbrar a adolescência delinquente de Bill Bailey na cidade de Lafayette, em Indiana. Entre uma ou outra prisão e briga de rua, Bill descobriu que o sobrenome de seu pai verdadeiro era ROse e o adotou, mudando seu nome também para W. Axl (nome de uma das bandas locais na qual cantava). Um de seus colegas de turma, Jeff Isabelle, era um pouco menos ‘bandido’ (sendo o único membro do GN’R que terminou o colégio), mas também atendia pelo nome de Izzy Stradlin, dividindo seu tempo livre entre arruaças e a dedicação à guitarra. Tempos depois, Axl e Izzy voltariam a se encontrar em Los Angeles e junto ao guitarrista Slash, um inglês que viera ainda criança com a família morar em Hollywood e partilhava do mesmo estilo marginal da dupla, decidiram formar um grupo. Através de um anúncio de jornal, Duff McKagan foi recrutado para o baixo e pouco depois o baterista Steven Adler, veio se incorporar à banda. Depois de descartarem algumas opções como Heads of Amazon e AIDS, o nome adotado surgiu da combinação de L.A Guns e Hollywood Rose, dois outros grupos nos quais Axl e Izzy havia tocado. Com essa formação, o Guns N’ Roses lançou em janeiro de 1987 o EP ao vivo.
BIZZ: Existem muitas impressões diferentes de você por aí, desde maníaco-depressivo e suicida a gênio enlouquecido pelas drogas. O que é que move e comove Axl Rose, e qual é a sua?
Axl Rose: Bem, por causa do estilo de vida do GN’R, as pessoas que não nos conhecem tendem a fcar intimidadas ou amendrontadas. Depois de levar uma vida de garotas, drogas e seja lá o que for, pintaram um certo retrato meu. Mas eu dei uma boa reduzida nisso tudo, porque tenho outras coisas para fazer. Não posso ficar me drogando todas as noites porque, depois de vender seis milhões de discos, os negócios ficam mais intensos que o da maioria das pessoas. Assim você chega à platina, de repente começa a lidar com executivos da gravadora, com homens de negócios, com a MTV e tudo mais. Começa a se tornar uma daquelas pessoas que você pensava ser contra. Você tem de trabalhar com eles. Estão lá dando duro por você e você tem que produzir. Dizer foda-se só por dizer é como cortar sua própria garganta.
É difícil sair e barbarizar o tempo todo quando se tem esse tipo de responsabilidade, e o Guns N’ Roses tem tido de lidar com elas desde que assinou o contrato. Slash provavelmente não beberia tanto se não fosse pelo fato que esse jeito que ele consegue lidar com essa gente. Ele consegue beber tranquilamente sua garrafa e conversar. Eu, se estou bêbado, acabo expulsando todo mundo da minha casa. Não posso cair de boca porque reajo de uma maneira diferente. Assim que fico bêbado, me dou conta: “Essa última semana de trabalho tem sido realmente um saco”. Tenho vontade de matar alguma coisa (risos).
BIZZ: Quando é que a situação começa a ficar claustrofóbica?
Axl Rose: Geralmente quando estamos na estrada. Sempre fico muito estressado por causa dos shows, que são a coisa mais importante pra mim. Nada nunca funciona direito com esta banda. Slash disse uma vez que Deus não queria que fizéssemos sucesso (risos) e de certa forma acredito nisso. Quando chega algum entrevistador e eu preferia estar dormindo, ou ele percebe que eu não estou no clima, a impressão que fica é “ele está perdendo o pique”. Resumindo bastante, é por isso que acontece.
BIZZ: Você se consideraria maníaco-depressivo?
Axl Rose: Sou muito sensível e emotivo, e as coisas me aborrecem e me dão vontade de não fazer nada, não lidar com pessoa nenhuma, nem com a própria banda, nada. Eu até fui numa clínica, achando que isso ajudaria meu temperamento. A única coisa que fiz foi um teste de quinhentas perguntas, preenchendo pontinhos pretos. De repente vem o diagnóstico de maníaco-depressivo e ‘vamos medicá-lo’. Bem, esses remédios não me ajudam com o stress. A única coisa que fazem é tirar as pessoas das minhas costas, porque sabem que estou sendo medicado.
BIZZ: Desde o primeiro dia, você continuou crescendo como pessoa, como músico e agora, como homem de negócios. Você fez tudo a sua maneira. Como você vê seu crescimento e o da banda, e o que você aprendeu nos últimos três anos?
Axl Rose: Não somos os caras mais inteligentes do mundo, mas no sentido da realidade das ruas – sair à noite, drogas, festas, garotas, essa merda toda – conhecemos e entendemos muita coisa. É como se tivéssemos nos colocado à força na escola das ruas. Eu não sabia como abordar uma garota, então ficava assistindo como isso acontece à distância. Eu não sabia nada sobre drogas, então aprendi o que é e o que não é seguro, como arrumar, como fazer direito. Aprendemos a sobreviver.
Aprendemos quem é quem na indústria fonográfica. Aprendemos a perceber quando uma pessoa é falsa. Aprendemos algumas liçoes bem duras e tivemos de fazer alguns acertos extrajudiciais. Pelo menos ficamos espertos o suficiente para conversar sobre negócios. Se alguém na banda se sente encostado na parede, temos gente – advogados, mais advogados e contadores – para livrar a barra.
BIZZ: O Guns N’ Roses está chegado perto de sete milhões de cópias de Appetite For Destruction vendidas. Todo mundo na banda está comprando casas, carros, etc. Como é sair da sobrevivência nas ruas pra ser milionários?
Axl Rose: Não somos milionários. O mundo, pessoas de fora da indústria fonográfica, parece pensar que se você chega à platina, um milhão de cópias vendidas, você é um milionário. Não é assim que funciona. Custa 200 mil dólares pra fazer um clipe decente. Você assume essa dívida. Você tem o dinheiro que custou pra promover o disco em anúncios e merda do gênero. É fácil chegar a uma conta de tipo, um milhão de dólares, especialmente se você tem um disco que vendeu seis milhões de cópias. Toda a publicidade e dinheiro que continuam indo nele têm que vir de algum lugar.
Basicamente, ganhamos um dólar por disco. Vinte centavos para cada membro de capa cópia de Appetite que for vendida. Não exatamente, mas é por aí. Quando você chega a um milhão de dólares, cinco milhões de cópias vendidas, você teria que vender por volta de oito milhões e cópias, porque você estará endividado em cerca de três milhões. Você tem que pagar as pessoas que trabalham pra você – empresários, advogados, contadores, roadies, e por aí vai. De cada dólar que fazemos, estamos pagando nossas dívidas de volta. Tudo que pegamos emprestado, usamos, quebramos ou pegamos por empréstimo vem disso. Depois de fazer uma turnê, há um monte de débitos passados que precisam ser pagos. Sair e fazer qualquer coisa por menos de $1000 ou $1500 por show significa que você está pagando pra tocar. Se você for a atração principal e passar das onze da noite, daí estará pagando por horas extras e multas.
Em Nova Iorque eu estava atrasado pro show no Felt Forum porque eu tinha desmaiado depois de beber Night Train e fazer uma entrevista pra MTV. Eu tomei uma ducha, fiz meus exercícios vocais e me vesti em 15 minutos e fui pro show. Nos livramos de uma multa de $8000 em horas extras porque a barricada que separa os fãs do palco tinha sido instalada de maneira errada e até que eles a consertassem, eu tinha chegado até lá e ficou tudo bem. As pessoas imaginam porque as bandas não tocam por mais tempo, não tem nada a ver com não querer tocar mais tempo. Tem noites em que queremos topar a noite toda. Mas não temos como.
BIZZ: Você é, como muitas pessoas acreditam, um usuário pesado de drogas?
Axl Rose: Eu tenho uma constituição física diferente e uma mentalidade diferente sobre drogas de toda e qualquer pessoa que eu já conheci em Hollywood, porque eu não fico sem usar drogas, mas não me permito ficar viciado. Eu não vou permitir isso. Eu cheiro por três dias seguidos e minha mente dirá, “Não, porra”, Eu terei a sensação física de saber que meu corpo precisa daquilo, e eu simplesmente me recusarei a usar cocaína naquele dia. Eu não vou usar, porque se eu usasse, eu sei que não vou conseguir alcançar meus objetivos com o que eu quero pra essa banda. Eu não posso me deixar cheirar enquanto estiver com essa banda. A mesma coisa com heroína. Eu uma vez usei por três semanas seguidas e tive um dos melhores momentos de minha vida, porque eu estava com uma garota com a qual eu queria estar nesse belo apartamento, e apenas ficamos lá ouvindo Led Zeppelin, usando drogas e metendo. Foi ótimo, porque naquela época eu não tinha nada pra fazer a não ser fazer algumas ligações por dia. Eu parei tipo, no sábado, porque eu tinha negócios sérios pra tratar na segunda. Eu me senti como merda, suei, tremi, mas na Segunda, eu estava funcionando. Eu não posso me esconder nas drogas. Muitas pessoas conseguem, mas quando eu tomo qualquer droga – pílulas, bebida, heroína, o que for – pra curtir, minha vida tem que estar perfeita – sem presepadas, nada dando errado. De outro modo, quando eu estiver chapado, eu vou sobre analisar tudo que está acontecendo em minha vida e porque as coisas estão indo mal. Isso não é divertido. E se eu tiver shows pra fazer, eu não vou tocar em drogas, porque elas fodem minha garganta.
Meu conselho é que não se viciem, não usem a agulha de ninguém e não deixe que as drogas se tornem um pré-requisito para diversão. Faça as coisas com moderação e simplesmente tenha cuidado.
BIZZ: Você curte o lance mais lento?
Axl Rose: Eu acho ‘You’re Crazy’ uma merda. A banda está ótima, mas eu acho que soa como merda. É uma música muito especial, mágica. Toda vez que gravamos ‘Crazy’, algo acontece. Quando está realmente pegando, a banda entra num estado quase que de transe. Você deixa tudo mais para trás. Eu não acho que eu tenha realmente conseguido o que eu queria, eu não acho que haja algum grande problema com ela, mas eu não acho que tenhamos realmente acertado. Eu acho que todo o resto é do caralho!
BIZZ: Sobre o que é ‘One in a Million’?
Axl Rose: ‘One in a Million’ é sobre…eu fui e voltei de Indiana oito vezes durante meu primeiro ano em Hollywood. Eu escrevi a música sobre sair do ônibus na rodoviária e tudo que rolava. Eu nunca tinha estado numa cidade tão grande e fui sortudo o suficiente de ter esse cara negro me ajudar a achar meu caminho. Ele me levou até o terminal de ônibus e me mostrou qual ônibus pegar, porque eu não conseguia uma resposta exata de ninguém. Ele não estava atrás do meu dinheiro ou qualquer coisa assim. Era mais tipo, “Olha o moleque novo na cidade, e parece que ele vai entrar em encrenca aqui. Deixa ajudar ele a se orientar.” As pessoas ficavam vindo e tentando me vem der baseados e afins. No centro de Los Angeles, os baseados são geralmente pura mistura, ou eles te vendem coisas que vão te matar. É uma coisa muito feia. A canção não é sobre ele, mas você meio que poderia dizer que ele foi um em um milhão.
Quando eu me sentei depois de andar em círculos por três horas, os policiais me disseram pra sair da rua. Os gambés de lá já viram tanta merda que eles acham que se você tem cabelo comprido, você provavelmente também é merda. Os negros tentando te vender jóias e drogas é de onde o verso ‘Police and niggers, get out of my way’ veio. Eu já vi esses caras negros enormes puxarem facas [da marca de facas de caça] Bowie pra pessoas, sacando-as de dentro de seus rádios. É feio.
BIZZ: Tem alguns versos, digamos, polêmicos, na música, não há?
Axl Rose: O verso sobre “immigrants and faggots”, você quer dizer? Eu não tenho nada contra alguém vir pra cá de outro país e tentar melhorar de vida. O que eu não curto é um funcionário de uma loja de conveniência agindo como se você não devesse estar aqui, ou agindo como se não entendesse você enquanto estão tentando te roubar. [Axl imita um iraniano] “Wot? I no understand you.” ‘Eu te dei uma nota de 20 e quero o meu troco de 15!’ Eu ameacei explodir um posto de gasolina deles uma vez e daí eles me devolveram o troco. Eu não preciso disso. Eu não sei o que pensar sobre os gays. Eles estão num mundo deles. Eu não estou muito feliz com a AIDS.
Quando eu digo que sou um small town white boy [garoto branco de uma cidade pequena], eu apenas estou tentando dizer que não sou melhor que ninguém que eu descrevi. Eu apenas estou tentando viver a vida, é só.
BIZZ: Parece que quase toda semana ou você ou o Slash morre em boatos. Histórias de suicídio, overdose, assassinato. Alguns dos boatos são bem irritantes…
Axl Rose: [rindo] A razão pela qual eles irritam você é porque a RIP recebe todas as ligações telefônicas perguntando ‘É verdade que o Axl morreu?’
BIZZ: Não o que me preocupa é que um dia pode não ser um boato. Por que você acha que todos esses rumores de “Axl morreu” continuam a circular tanto?
Axl Rose: Tem algumas razões. Primeiro, é um boato que começou muito tempo atrás porque eu desaparecia por algumas semanas duma vez, e as pessoas presumiam que se eu não estou aos olhos do público, alguma coisa deve ter acontecido. Eu fico de boa em Hollywood, na minha, sem telefonar ou querer lidar com ninguém, então ninguém sabe o que aconteceu exatamente com Axl. Eu só tenho que me afastar de vez em quando pra digerir e entender tudo que está rolando ao meu redor.
Muitos desses boatos começaram na época que assinamos um contrato com a gravadora e só vieram à tona recentemente. Há boatos sobre pessoas famosas que ouvimos no ensino médio que ainda rolam por aí hoje em dia. Alguns muito estranhos sobre Rod Stewart [risos]. As pessoas dizem, “Pois é, cara, você ouviu que bla bla bla?” e elas se divertem espalhando isso, vendo o efeito que ele tem sobre seus amigos.
Outra razão é que o GUNS N’ ROSES pode ter estado completamente sóbrio por um tempo, fazendo tudo de acordo com a regra, e daí de repente rola, “Foda-se, não vou aturar mais essa porra”, e explodir. Nós sempre estamos no fio da navalha. Uma vez que estamos nesse fio, isso assusta as pessoas – elas piram e por aí vai. Elas acham que isso de fato aconteceu, ou elas se convencem de que estamos mortos. Daí elas contam pros amigos delas.
Outro motivo é que essa banda significa muito pra muitas pessoas. As bandas que significam tanto assim pra seus fãs muitas vezes sofrem muitos boatos em torno delas. Muitos fãs têm medo de que seus heróis possam deixar suas vidas. Nikki Sixx morria o tempo todo. Talvez as pessoas tentem ver como seria a vida delas sem seus ídolos, ou como elas lidariam com isso, e daí, quando você vê,é um boato. Eu estou morto de novo.
O que eu deduzo com todos os boatos de morte é que essa banda significa muito pra muitas pessoas por aí, e somos importantes o suficiente para que isso as chateasse se nós tivéssemos realmente morrido. Eu espero que isso não seja uma profecia auto-concretizada.
Retirado: Revista BIZZ de Agosto de 1989
Publicado por: Axl Rose Fã Clube